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terça-feira, 30 de abril de 2013

Perda de um filho


          

                     É possível sempre aprender sem sofrer. Gosto de enfatizar isso para não cairmos na crença que muitas pessoas tem que é somente através do sofrimento que crescemos. Entretanto, na maioria das vezes as experiências dolorosas é que acabam nos forçando a melhorar a um nível mais profundo. Na minha vida foi assim em vários momentos, e observamos isso na maior parte das pessoas que buscam auto conhecimento. Normalmente são pessoas que estão  passando ou já passaram por grandes dificuldades, sejam elas financeiras, problemas de saúde, relacionamentos ou perdas. Algumas pessoas, depois que o momento doloroso passa, abraçam voluntariamente o caminho do auto conhecimento e procuram estar sempre lendo, se observando e recebendo trabalhos terapêuticos no intuito de crescer constantemente sem precisar do estimulo da dor pra isso. Já outros, depois que o momento doloroso passa, voltam a viver da mesma forma que antes, até que serão novamente empurrados por momentos de sofrimento que virão depois.

Ao abraçarmos o caminho do crescimento pessoal, seja ou não empurrado pelas dores da vida, nossas atitudes e pensamentos mudam e isso acaba se refletindo em uma vida mais harmoniosa e feliz. Deixamos de passar por várias experiências dolorosas, já que, ao crescermos emocionalmente e espiritualmente  iremos acertar mais do que antes. Além disso  o crescimento traz uma habilidade maior em lidar com os desafios. O que antes trazia um enorme sofrimento, hoje passa a ser visto apenas com uma situação com a qual  temos que lidar, sem grandes dramas. Mas mesmo para quem está mergulhado no caminho do auto conhecimento e vem crescendo bastante, a vida trará grandes desafios que ainda serão vividos com grande sofrimento.

Esse final de semana estava vendo uma entrevista com a atriz Cissa Guimarães que perdeu o filho atropelado no em julho de 2010 quando o rapaz tinha apenas 18 anos. Talvez não haja sofrimento maior. Muitos momentos marcantes me chamaram a atenção, pelo crescimento que ela teve ao passar pela trágica experiência. Vou comentar alguns deles.

A noção da impermanência e a aceitação da impermanência. Sabemos que tudo é impermanente no mundo material da forma. Mas parece que só sentimos isso superficialmente. Até que uma perda de alguém próximo nos acorda vigorosamente para essa verdade. E quando se trata de um filho então, que é uma morte que vemos como prematura, fora da ordem natural, o choque é maior ainda. Esse choque pode nos levar a dois caminhos. Um caminho é de um sofrimento imenso com revolta, tristeza, raiva, que é o que ocorre normalmente no início. Algumas pessoas ficam nessa fase permanentemente e simplesmente não conseguem refazer a vida.

Outras pessoas, após a fase inicial de grande dor, entram no estado de aceitação, de redenção. A dor é tanta que a única coisa capaz de nos fazer senti em paz é parar de brigar interiormente consigo mesmo, com a vida, com Deus, com o fato ocorrido ou com o que quer  que seja. Essa redenção normalmente acontece depois que o sofrimento gera um cansaço mental extremo, o que nos leva a abandonar os pensamentos de questionamento da vida, "por que isso aconteceu",  "isso não deveria ter acontecido", "não é natural" e etc.  Depois de nos debatermos por um período com esses pensamentos que expressam a nossa não aceitação, paramos de resistir internamente, os questionamentos cessam ou pelo menos perdem parte da intensidade e finalmente começamos a sentir um pouco de paz.

De repente, quando se aceita o ocorrido, até porque não há outra saída, cria-se um espaço entre nós e o sofrimento. Existe a tristeza, a dor da perda, mas ela não mais nos preenche cem por cento. Cissa fala claramente sobre esse espaço que foi criado através da não resistência, da aceitação. E com o passar do tempo, essa tristeza vai ocupando cada vez menos espaço, e é assim que as pessoas conseguem se recuperar.

Foi esse processo que aconteceu com a atriz. No início ela foi tomada completamente pela dor e aos poucos foi aceitando e se rendendo. Em duas semanas, de forma surpreendente, voltou ao trabalho.

Conheço pessoas que até a criticaram por ter voltado a trabalhar tão cedo. Por trás dessa crítica está a crença de que devemos sofrer para provar que amamos quem se foi. Fica então um julgamento embutido por trás da crítica dizendo que ela não se importou tanto assim. Como pode ter se importado se voltou tão rápido ao trabalho? São crenças comuns que as vezes levam pessoas a passar o resto da vida cultivando a dor de uma perda para provar para si mesmo, para os outros e para a pessoa que se foi que existe amor. Deixar de sofrer, ou mesmo diminuir o sofrimento, seria um sinal de abandono, traição, esquecimento e desamor pela pessoa que morreu.

Esse tipo de pensamento, mas é bem comum, ainda mais quando se trata da perda de um filho. É apenas um mecanismo de perpetuação do sofrimento. Em algum nível a maioria das pessoas acaba cultivando nem que seja uma dorzinha por causa desse mecanismo. Na verdade, podemos ficar em paz em nos mantermos ligado pelo amor, sem precisar da dor.

Na entrevista é possível ainda ver a dor que ainda existe. Não ocupa mais todo o espaço interior, mas ainda está bem presente. Pelas frases que a atriz fala é possível ainda perceber o grau de intensidade: "A  dor é minha, vai embora comigo quando eu fizer a passagem", "Eu cuido dela, eu aceito ela, eu respeito... e assim eu crio um espaço para que a alegria possa conviver com a dor".

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